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sexta-feira, 8 de julho de 2016

O Cristão e as Ideologias

Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro” (Mateus 6:24).

Como cristãos, sabemos que Deus é o criador de todas as coisas e que, por isso, podemos avaliar todas as coisas e reconhecer a verdade ali onde ela estiver. No caso das ideologias, todas elas, por partirem de algum fundamento isolado da criação de Deus, podem refletir alguma razão ou verdade. 

A tradição cristã costuma revelar três formas distintas de relação com a cultura: 1) Contra a cultura; 2) Amigo da cultura; 3) Crítico à cultura.

O autor e cineasta Brian Godawa[1] chama a postura contrária a cultura de “anorexia cultural”, aquela postura de considerar tudo que não é “gospel” ou “evangélico” de mundano, logo, a pessoa não vê nenhum filme, não ouve nenhuma música, nada que seja “do mundo”. Com isso, não sabe aproveitar as coisas boas da vida, não se diverte, pois tudo o que é “do mundo” deve ser evitado. Isola-se num gueto.

Por outro lado, há o “glutão cultural” que é como Godawa chama o amigo da cultura. É aquele que cai de cabeça, não quer nem saber. Desliga todo e qualquer tipo de senso crítico. Vai consumindo música, filmes, espetáculos, tudo sem o mínimo discernimento. Ele é do tipo que quando alguém questiona, logo responde, “é só por lazer”, ou, “você leva tudo a sério demais”. São pessoas que ignoram que os artefatos culturais não gozam de neutralidade, que não servem apenas para entreter, mas, transmitem uma mensagem que, no final das contas, tem o objetivo de influenciar você.

Ambas as posturas são problemáticas. Como cristãos, somos chamados a examinar todas as coisas e reter o que é bom[2]. A relação que se espera de um cristão com a cultura a sua volta não é de simplesmente sair consumindo tudo acriticamente e, nem tampouco, evitar tudo ou até mesmo condenar todas as coisas como se fossem pecaminosas somente por não serem produção vinda de cristãos. Este é um princípio que deveria ser aplicado também ao lidarmos com as ideologias políticas.

Muitas pessoas cristãs acreditam que sua fé nada tem a ver com política. Devemos superar tal equívoco, pois, a postura contra a cultura reflete o falso pressuposto de que os reinos deste mundo pertencem a satanás[3]. Com isso, a tendência é o isolamento e a incapacidade de interagir e reconhecer que possa existir algo bom na cultura e nas ideologias e que, por isso, merecem reconhecimento e apoio.

Por outro lado, há o risco de um alinhamento político feito de maneira inadvertida. Essa tentativa de combinar a fé cristã com alguma ideologia sem uma análise crítica pode gerar sérios problemas e levar, até mesmo, a verdadeiras tiranias. Não deveríamos tomar as ideologias como se fossem simplesmente discursos neutros, algo que simplesmente se pode tomar sob o argumento de que “o que vale é a intenção”.

Uma primeira questão e que é chave para os cristãos que desejam nutrir uma correta relação com a cultura consiste em identificar as raízes religiosas das ideologias. Em outras palavras, é necessário identificar a cosmovisão por trás da cultura e das ideologias. Trata-se do que o filósofo David Koyzis chama de raízes espirituais das ideologias[4]. Somente ao atentarmos para isso seremos capazes de perceber que há uma verdadeira incompatibilidade entre os pressupostos religiosos das ideologias e os fundamentos do cristianismo bíblico.

Quando pensamos em ideologias políticas nos lembramos logo de governos, partidos políticos e sistemas jurídicos. Há, no entanto, uma diferença entre ideologias como o liberalismo e o socialismo, para as instituições como o governo e o sistema jurídico. Tal diferença consiste em dizer que tais instituições podem ser utilizadas para bem ou para mal, dependendo de qual direção a ideologia por trás daqueles que administram estas instituições desejam imprimir. Um socialista irá forçar o governo e criar uma proposta partidária diferente de alguém identificado com o liberalismo, por exemplo. A ideologia, assim, acaba sendo um meio para se alcançar determinado fim. Ao adotar inadvertidamente uma ideologia como meio para fins justificáveis, por mais nobres que estes fins pareçam à causa cristã, o que há, de fato, é idolatria.

Enfim, diante da complexidade da realidade à nossa volta, qual é a postura que os cristãos deveriam assumir? Já dissemos que é importante analisar tudo e reter o que é bom. Nem uma postura totalmente contrária e tampouco acrítica é desejável. Não podemos, no entanto, interagir e emitir juízos sobre qualquer ideologia sem conhece-las e identificar aquilo que reconhecem corretamente. Se o liberalismo defende os direitos humanos, nisso estão corretos. Se o conservadorismo defende a importância da tradição e da continuidade histórica, nisso eles acertam. Se os nacionalistas defendem a solidariedade comunitária entre aqueles que compartilham a mesma cidadania, ponto para eles. Se os socialistas pregam a equidade econômica, merecem todo o reconhecimento neste aspecto. O problema reside em tornar tais aspectos da realidade verdadeiros absolutos sobre os quais sustentam toda a ideologia. A deificação de um destes aspectos da realidade criada por Deus torna-se em idolatria que gera efeitos nefastos e, como todo ídolo, sacrifícios em nome da causa. Os regimes totalitários estão aí para comprovar isto. Cada ideologia, assim, produzirá seus próprios efeitos colaterais quando ignora a complexidade de uma realidade bem mais ampla.

Como cristãos, enfim, reconhecemos que só há um absoluto e este é Deus. Todas as coisas foram por ele criadas e são, portanto, relativas. Não há nada que tomemos desta criação para promover como princípio absoluto que não irá chocar-se com a verdade bíblico cristã, pois constituir-se-á num ídolo concorrendo com o verdadeiro e único Deus.

A política é uma atividade humana. Cada ser humano, na perspectiva de uma cosmovisão cristã, é uma criatura de Deus e que vive no mundo criado por Deus. Sabemos disso porque a Bíblia o revela. Sabemos, ainda, que vivemos num mundo caído, afetado pelo pecado. Porém, Deus não nos deixa a mercê de nossa própria sorte. Ele vem, em Cristo Jesus, para redimir a humanidade. E, não só a humanidade, mas, todas as coisas[5]. Exatamente por isso os cristãos deveriam ser aqueles que mais se importam com este mundo criado por Deus. Isso implica em reconhecer que a cultura e a política também interessam a Deus e carecem de redenção.

Quando falamos que Deus é o criador de todas as coisas, a coerência nos leva a admitir também que existe uma ordem nesta criação. E, Deus permanece fiel a esta ordem com que ele criou as coisas. E, nós, os seres humanos, naturalmente seremos mais plenos e realizados se nos submetermos aos preceitos de Deus. A lei de Deus, portanto, não é imposta de forma arbitrária. Esta é uma interpretação que, no entanto, encontra resistência inclusive entre muitas pessoas que se confessam cristãs. O problema é que ao ignorar que Deus cria o mundo com ordem e normatividade perde-se todo e qualquer referencial. Ignora-se, por exemplo, que a função dos governantes é promover a justiça. Sim, entendemos que a promoção da justiça é um dever de cada ser humano a partir daquilo que o próprio Deus espera de nós. Como uma sociedade irá se organizar para buscar essa justiça é outro capítulo. Os meios para isso Deus não instituiu, pois esta é nossa responsabilidade. A promoção da justiça, no entanto, é uma ordem normativa da criação. Como a buscaremos fica sob a responsabilidade da criatividade e da liberdade humana. Cada contexto e realidade exigirá uma abordagem própria. Isso reconhecendo que, inclusive, há restrições à própria liberdade nesta ordem da criação.

Ignorar uma ordem normativa a partir da criação de Deus implicaria em considerar que toda e qualquer decisão humana se pauta sobre mera escolha ou preferência pessoal. Afinal de contas, o que sobraria quando não se pode reivindicar mais nenhum fundamento transcendental? Há quem argumente que restaria a vontade do mais forte, um poder soberano como uma construção social, um contrato, enfim.

Resta, ainda, uma pergunta honesta a ser enfrentada: se todos pecaram, como podemos ter acesso ao conhecimento que nos revela a correta ordem da criação de Deus? Como ter acesso e discernir o que é realmente fruto da boa vontade de Deus? A revelação geral de Deus nos permite dizer que em todas as épocas e em todos os lugares existe certa capacidade humana de reconhecer determinadas normas. Sem ignorar a realidade do pecado que nos confunde e, até mesmo cega, é fato que ao observarmos a cultura em diferentes lugares do mundo seremos capazes de notar certa tendência pela vida, pela justiça, pela cortesia, pelo discernimento entre o bem e o mal. Como tal revelação geral é ainda insuficiente, Deus faz uso também de uma revelação especial em Cristo Jesus.

Se a realidade está baseada nesta cosmovisão baseada na tríade criação-queda-redenção, logo perceberemos que as ideologias procuram oferecer a sua própria versão da realidade. Explicam a origem, os problemas e eventuais soluções a partir de outros pressupostos. Uma visão de mundo que parte do princípio de que tudo não passa de uma massa cósmica aleatória sobre a qual os seres humanos simplesmente impõem a sua vontade é bem diferente do que compreender que o mundo é uma boa e ordenada criação de um Deus de amor que nos colocou aqui com responsabilidades. Assim, cada ideologia reflete uma cosmovisão particular que está baseada em algum aspecto da criação, constituindo-se, assim, numa visão reducionista que não é capaz de dar conta da realidade como um todo.

O desafio consiste em buscar por uma abordagem social que seja biblicamente cristã e que, portanto, não seja idólatra. Se Deus é o único soberano, então, nenhum indivíduo na terra é soberano. A tradição tem o seu valor, mas, é marcada pela realidade do pecado. A comunidade humana é importante, mas, não digna de lealdade irrestrita. Governos podem ajudar a instaurar equidade econômica, mas, são limitados e não devemos depositar sobre ele as esperanças por resolverem todos os problemas. O fato é que a realidade apresenta a todos nós uma rica diversidade com que precisamos aprender a lidar por uma perspectiva cristã. Os condicionamentos geográficos, históricos, econômicos e políticos a que os seres humanos estão submetidos faz com que haja uma verdadeira pluralidade cultural no mundo. Cabe a um governo sob princípios cristãos reconhecer e proteger tal diversidade e, jamais impor apenas uma única noção de cultura. Tal postura confronta diretamente as ideologias que preferem impor seu credo baseado numa visão uniforme da realidade e que, por isso, procura moldar tudo a sua própria imagem. Como seres caídos, marcados pelo pecado, deveríamos nos conscientizar de que toda a nossa compreensão das coisas é parcial, logo, tomar a nossa verdade como se fosse toda a verdade obviamente resultará em problemas. Deus é uma unidade que cria um mundo complexo. Nós não temos condições de apreender toda a complexidade desta realidade.

Esta complexa realidade é composta por uma multiplicidade de esferas sociais ou comunidades diferentes em que os seres humanos vivem e exercem responsabilidades distintas. Em tal realidade somente Deus é soberano e absoluto. Qualquer tentativa de promover algo dentro desta realidade relativa à condição de fundamento configura idolatria. E, todo ídolo costuma exigir seus sacrifícios para que seus objetivos sejam atendidos. O problema com as ideologias é que quando elas reduzem seu sentido de ser a uma parte da criação, acabam negligenciando todo o restante e, assim, numa perspectiva reducionista, sua leitura da realidade acaba negligenciando outros aspectos desta realidade.

Concluindo, uma ideologia acaba por se identificar como idolatria na medida em que ignora a criação de Deus e apega-se a um fragmento desta criação, identificando neste fragmento o fundamento que confere sentido e razão para a leitura de toda a realidade mais ampla. Uma ideologia, portanto, apesar de conter verdade, pois baseia-se em aspectos da realidade, é incapaz de cumprir o que promete, afinal, reflete uma visão reduzida que nega as diferenças e sacrifica a diversidade do mundo criado em nome de uma unidade idólatra[6]. 

[1] GODAWA, Brian. Cinema e Fé Cristã: vendo filmes com sabedoria e discernimento. Viçosa: Ultimado, 2004. p. 13-22.
[2] I Tessalonicenses 5. 21.
[3] Lucas 4. 6.
[4] KOYZIS, David. Visões e Ilusões Políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 2014. p. 225.
[5] Colossenses 1. 19-20.
[6] KOYZIS, 2014, p. 54.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

IDEOlatria

Ao criticarmos uma ideologia poderemos, conscientemente ou inconscientemente, estarmos defendendo outra. Adotar uma posição contrária a tudo que cheire a política ou, inadvertidamente, abraçar alguma proposta sem a devida crítica, são riscos que corremos. Quando se trata de ideologias políticas a própria bíblia tem sido utilizada para defender o capitalismo liberal, o socialismo e o conservadorismo, por exemplo. Com isso, perde o corpo de Cristo, a igreja, que se vê fragmentada e, até mesmo dividida, por questões político-ideológicas. O risco é de agirmos pela lógica de uma crença pautada ideologicamente. E, assim, sacrificamos os princípios e relativizamos os meios em nome de um objetivo.

Como cristãos costumamos dizer que a bíblia é o nosso parâmetro. A questão, no entanto, é: temos lido as escrituras de modo que ela ilumine nossa vida? Ou temos deixado que nossos próprios “óculos” culturais e ideológicos determinem a nossa leitura? Não há como evitar que a nossa história e o nosso contexto influenciem a leitura da realidade e da própria bíblia. Como cristãos, no entanto, deveríamos ser, acima de tudo, desconfiados a nosso próprio respeito. Vivemos um tempo em que parece ter ficado muito fácil lançar “verdades” ao vento e nos comportamos como donos desta verdade. Essa mesma bíblia que prezamos tanto, porém, adverte de que “o coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” (Jr 17.9).

Uma ideologia pode, sim, ser capaz de identificar questões legítimas e até mesmo defender questões justas. O problema está em o quanto as pessoas podem confiar sua lealdade a ponto de tornarem-se cegas. É quando uma ideologia se torna um ídolo. Jesus nos adverte de que não se pode servir a dois senhores (Mt 6.24). Se tomarmos uma ideologia como digna representante que dá conta de explicar toda a complexa realidade da vida, então, estamos falando de um absoluto que substituiu o próprio Deus. E, para nós, cristãos, Deus é o único absoluto. Ele é o criador de todas as coisas. Logo, tudo abaixo dele é relativizado e passível de dúvida e questionamento, especialmente depois da queda, realidade em que nos encontramos todos (Rm 3.23).

Cada ideologia apresenta aspectos que legitimamente podemos reconhecer e valorizar. O problema está em promover este elemento como sendo aquele que confere sentido para tudo o mais. Sempre que atribuímos divindade a qualquer aspecto isolado da criação de Deus e fazemos a leitura da realidade a partir disso, corremos o risco de nos tornamos totalitários, contribuindo para a injustiça. A história da humanidade está repleta de exemplos de como regimes fundamentados numa ideologia radical levaram desde à fragmentação social até mesmo à grandes genocídios. O remédio está em nos conscientizarmos de que Deus é Deus e tudo o mais depende dele. Deus é o Criador, nós somos as suas criaturas. Não vamos nos dobrar diante de ídolos feitos por mãos ou mentes humanas! (Ex 20.3).

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